sábado, 16 de março de 2013

A Amizade


"...A figura da amizade como uma relação de simbiose de interesses ou de fusão das almas é denunciada como um perigo. Não se desconsidere a fala magnifica de Montaigne, que se explicava assim: "Na amizade de que falo, as almas mesclam-se e fundem-se uma na outra em união tão absoluta, que elas apagam a sutura que as juntou, de sorte a não mais encontrarem." Mas não se pode esquecer que historicamente não se salvaguardou a possibilidade de determinadas praticas da amizade redundarem em situações de intolerancia, pela anulação do espaço da singularidade e submissao do outro ao predomínio do mais forte. Quando a amizade se transforma numa maquina de fazer sujeitos identicos, tem-se de considerar a inevitabilidade da limitação da alteridade.
Na verdadeira amizade, estamos uns com os outros e somos uns para os outros, mantendo porém uma exterioridade: os amigos não se diluem, não se justapõem, nem se substituem. Só quando a reciprocidade se conjuga de forma consentida e livre, a amizade pode finalmente consolidar-se. Ela é uma forma de exposição ao outro, mas uma exposição que não quebra a reserva, que não invade a solidão. A amizade não só guarda silencio, mas ela é guardada pelo silêncio. Eu não espero nada de um amigo, ou melhor, espero tudo, na medida em que a sua existencia, pela sua radical diferença, me permita existir. Como disse Maurice Blanchot, a amizade é o acolhimento de um intervalo puro que, de mim a esse outro que é um amigo, mensura tudo o que há entre nós. A amizade é a separação fundamental a partir da qual o que separa torna relação.
A banalização da palavra amigo, produz uma incapacidade de compreender (e de viver) amizades verdadeiras."
José Tolentino Mendonça in Expresso

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